segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Agustín Barrios


Como alguns de vocês sabem sou músico, professor de música e amante da arte num universo geral e maiormente amante das obras violonísticas e desse instrumento que mais parece uma orquestra. Indo avante e direto ao assunto, falando em orquestra eu não poderia deixar de mencionar aquele que foi o maior violonista compositor que já passou por esse planeta e que como ninguém soube criar e recriar, inventar e ser divino em todas as suas criações e execuções musicais. Agustín Barrios Mangoré. Indubitavelmente e inarravelmente suas obras formam um monstruoso conglomerado de dificuldades melífolas e prosaicas ou ainda epifânicas, nervosas, trêmulas de um romantismo sem paralelos. Assim foi Barrios, ser humano nada modesto ao violão.

Conheci a obra de Barrios por Raphael Rabello que foi outro gênio prematuro. Raphael certa vez mencionou a obra La Catedral. Eu estava em um tempo onde queria alcançar obras de dificuldade extrema e obras significativas ao repertório do violão. Lembro-me que Alegro Sinfônico também foi mencionado ambas músicas de Barrios.

Em vão eu tentava achar algum CD ou arquivo onde eu pudesse ter acesso pelo menos ao áudio dessa obra. Certa vez na loja de livros musicais em São Paulo na Free Note eu vi um livro de Isaias Savio que era totalmente dedicado a Barrios, comprei imediatamente e vi que sua ultima obra era a La Catedral. Lembro-me que vinha dirigindo no trânsito de São Paulo com o livro aberto no volante entre as minhas duas mãos, deixando o meu amigo/aluno e companheiro de viagem Marcelo Turati com os nervos a flor da pele. Isso faz tempo hein. Chegando em casa depois de descansar lembro que abri aquela partitura na minha estante musical ( o livro de Sávio contém o arranjo de Barrios de Outono de 1922 e não possui o Prelúdio da saudade que mais tarde foi incorporado à obra em Homenagem a sua esposa Glória ). Então com o livro aberto eu comecei a executar a parte religiosa da musica como assim mesmo o próprio autor proferiu sobre ela ANDANTE RELIGIOSO, confesso ter adorado e a paixão foi instantânea. Acordes tristes, passagens romanticamente religiosas e intrincadas causando a elevação de minha alma e e evolução do meu espírito. Foram dias e noites incessantes e admiravelmente prazerosos de estudos até finalizar o Andante Religioso da obra. Depois de breves contrastes com outras obras os estudos da parte a seguir ( Alegro Solemne ) ficou ausente da minha logística de estudos diários. Eu necessitava de maior poder técnico antes de poder começar o desvendar da segunda parte da obra. Depois de um retorno absurdo nos meus estudos das obras de Barrios, digo absurdo pois era viciante o ato de tocar seus trechos mesmo em momentos de aulas ou então vendo um filme ou ainda me levantando no meio da noite procurando resolver problemas de digitação, foi após isso onde definitivamente concluí a obra com os dedilhados e arranjos de Isaias Sávio. Após isso ainda estudei os demais arranjos da mesma obra arranjos que já contam com a presença do Prelúdio da Saudade ( homenagem a sua esposa Glória ). E também tive acesso ( graças a Deus )de inúmeros CD´s e DVD´s com a sua obra, inclusive com o próprio autor ao violão. Também como já tenho dito estudei outros arranjos de suas obras como os marcantes de Alírio Diaz e Richard Stover e também os de Eythor Torlaksson. Diante disso tudo creio que para nossa alegria o nosso conhecimento sobre Barrios como elo perdido está apenas começando.

Depois de outras aventuras com outras obras de Barrios pois a cada dia que passa se torna em minha vida a indispensável e inarravelmente utilidade em se aventurar na laboriosa arte das seis cordas. O magnífico Prelúdio em dó menor, ou a deslumbrante peça em trêmolo El ùltimo tremolo (Uma Limonsita por el amor del Diós), ou ainda a elevada La Catedral. Com efeito, é importante conhecer o repertório de grandes expoentes de nosso instrumento, sabendo localizá-los temporalmente, analisar suas composições à luz da teoria musical, enfim, é, além de uma maravilhosa contribuição às vossas bibliotecas cerebrais, um material que pode ensejar o conhecimento musical de todo e qualquer violonista. Contudo, o material por si só não fará absolutamente nada antes é preciso fazer e se ter um preâmbulo de cada meta: é elementar a presença de um bom mestre ao lado do diletante.

Um pouco mais de Agustín Barrios
Professor Daniel Mesquita 2006.
Profissão de Fé

Tupã, o Espírito Supremo e protetor de minha raça,
Encontrou-me um dia no meio de um bosque florescido.
E me disse: Toma esta caixa misteriosa e descobre seus segredos.
E, aprisionando nela todos os pássaros canoros da floresta,
E a alma resignada dos vegetais, abandonou-a em minhas mãos.
Tomei-a, obedecendo a ordem de Tupã,
Colocando-a bem junto ao coração,
Abraçado a ela passei muitas luas à borda de uma fonte.
E, uma noite, Jaci, retratada no líquido cristal,
Sentindo a tristeza de minha alma índia,
Deu-me seis raios de prata para com eles descobrir seus arcanos segredos.
E o milagre se operou: do fundo da caixa misteriosa,
Brotou a sinfonia maravilhosa
De todas as vozes virgens da natureza da América

Agustín Barrios

Da mesma forma que o broto de uma planta remove de sobre si a pedra para que possa vir à luz e florescer, Agustín Barrios é um milagre da natureza que soube enfrentar todos os obstáculos e deixar uma marca perene na história do violão, da música e de seu país. Nascido em 1885 num Paraguai destroçado por uma guerra desigual e sangrenta, onde a herança cultural havia voltado à estaca zero e onde a prática da música culta era praticamente inexistente, ele conseguiu, à força de um talento excepcional e de uma genuína ilusão artística, tornar-se um dos compositores mais significativos da história do instrumento e um violonista de recursos extraordinários.

Barrios foi um dos oito filhos de uma família de pendores artísticos. Começou a estudar música muito cedo e seu primeiro professor foi Gustavo Sosa Escalada, que o instruiu nos clássicos Sor, Tarrega e Aguado. Aos 13 anos, Agustín já era reconhecido como um prodígio e ganhou uma bolsa para o Colégio Nacional em Assunção. Além de música, recebe formação em história, matemática e literatura. Agustín fala espanhol, alemão, inglês, francês e guarani, lê e interessa-se pela filosofia, poesia e teologia.

Ao terminar seus estudos, embarcou numa carreira musical e, em 1910, aos 25 anos, na Argentina, realizou suas primeiras gravações.
Nesse período, Barrios deve ter conhecido e talvez até estudado com Gimenez Manjón, o célebre violonista espanhol cego, e talvez com Miguel Llobet ( ex aluno de Francisco Tarrega ). Após breves períodos em Buenos Aires e Montevidéu, em 1916 encontramos Barrios no Brasil, onde permaneceu por seis anos e gozou de sucesso sem precedentes. Sua obra favorita para encerramento dos concertos é a Jota Aragonesa. Essa é uma obra que nos dá um retrato bastante fiel da eletrizante experiência de um recital de Barrios.
Hoje, numa época em que os recitais de violão podem ser encarados como uma parte integral da vida de concertos, onde há um repertório e um público formados, é difícil imaginar as dificuldades que se impuseram para Barrios apresentar um concerto dessa natureza. Um paraguaio descendente de índios, tocando um instrumento de reputação duvidosa, associado à malandragem, e ao qual não se atribuía a capacidade de sustentar um argumento musical. Sabe-se que Barrios conheceu Villa-Lobos e se encontrou com os chorões cariocas, que estavam no auge de popularidade na década de 1910, e chegou a conhecer João Pernambuco e dizer que ninguém improvisava como ele. Depois de um retorno decepcionante ao Paraguai, Barrios decidiu retornar ao Brasil, cenário de seus maiores êxitos, e aqui residiu até 1932. Foi um período que marcou época na história do violão, durante o qual Barrios compôs grande parte de suas melhores obras. A vida romântica de artista boêmio, embriagado de sua arte e em comunhão com seu público é um retrato bem preciso do rumo que Barrios escolheu para sua vida neste período maduro de sua arte. Ele visitou todos os 21 estados brasileiros, tocando em toda e qualquer cidade de qualquer tamanho e sem conhecimento prévio do nível de cultura musical que haveria de encontrar. Há uma estória deliciosa que me foi contada pelo grande violonista Marcelo Kayath. Nos anos 80, Marcelo esteve no estado do Pará para uma série de concertos promovidos pela secretaria estadual de cultura, que incluíam não só Belém, mas várias cidades do interior, algumas das quais de acesso difícil. Uma dessas cidades, à qual somente se podia chegar depois de uma viagem de avião e de algumas horas por barco ou estrada de terra, era na verdade um povoado, um par de ruas sem pavimentação, com uma igreja e um pequeno colégio onde o recital se realizou. Marcelo pensou que deveria ser o primeiro violonista clássico a se apresentar no local.
Ao final do concerto, um senhor já bastante idoso lhe disse que esse não era o caso, pois ele tinha escutado o grande Agustín Barrios tocar no mesmo local ainda nos anos 30.
Este era um artista que literalmente ia aonde o povo estava. A partir de 1930, Barrios decidiu-se por uma completa maquiagem publicitária, assumindo suas raízes indígenas e anunciando seus concertos como "O Paganini das selvas paraguaias, cacique Nitsuga Mangoré", apresentando-se e divulgando fotos publicitárias onde vemos um figurino indígena completo, de tanga e cocar! Com o novo formato, Barrios levou seu espetáculo a praticamente todos os países da América Latina. Às vésperas da 2a Guerra, visitou brevemente a Bélgica, Espanha e Alemanha e, ao voltar à Costa Rica, sofreu um infarto que encerrou qualquer sonho de conquistar os EUA. Sem saúde para continuar com a vida boêmia, Barrios se fixou em El Salvador, onde ensinou no conservatório superior e onde faleceu, em 1944. Em condições tão romanticamente precárias, qual seria o repertório de que Barrios dispunha? O violão ainda não havia incorporado o repertório do alaúde, a arte da transcrição ainda estava em seus primórdios e artistas como Tarrega, Llobet ou o jovem Segovia elaboravam um pot-pourri de transcrições românticas, de obras de sua própria autoria e de peças curtas dos compositores-violonistas do séc XIX como Sor, Coste ou Aguado. O acesso a obras novas ainda era limitado, e compositores mais sérios só começaram a escrever música em meados dos anos 20. Barrios solucionou o problema da maneira mais prática, compondo música em todos os estilos. Podemos compartimentalizar a produção de Barrios como compositor, de quase uma centena de peças curtas, em 4 categorias: a primeira é a das obras inspiradas no folclore e nas danças locais, como o Pericón e a Danza Paraguaia. Uma de suas melhores gravações nessa veia é a de Caazapá (ária popular Paraguaia; na verdade, um arranjo admirável de uma canção folclórica). A segunda é a categoria de pastiches de música antiga, minuetos, gavotas e árias onde ele "imita" o estilo de compositores como Bach ou Mozart.

A esta categoria pertence uma de suas obras mais conhecidas, La Catedral, que sugere a intensidade de uma experiência pessoal. Barrios, certa vez, em Montevidéu, foi visitar a Catedral de San José, onde um organista estava estudando um coral de Bach. Aquela música solene transportou o compositor a uma dimensão de íntima espiritualidade. Após esta epifania, o homem transfigurado se ressente do contraste com o burburinho prosaico, a agitação e a futilidade da vida terrena quando volta à rua. A dualidade entre o religioso e o profano é representada pelas duas partes contrastantes, Andante Relioso e Allegro Solemne de La Catedral.

A terceira categoria é a das peças características de inspiração romântica, talvez onde encontramos o genuíno Barrios. É o Barrios boêmio e arrojado, que recitava de memória trechos de Don Quixote e das Mil e uma Noites, o Barrios mestre da caligrafia, o Barrios autor de vários poemas, o Barrios que desenhava com perfeição os retratos das jovens mais belas, o Barrios que falava várias línguas, o homem profunda e ingenuamente religioso, enfim o poeta do violão, na tradição do intelectual de feira popular que ainda é tão presente na América Latina e cujas reverberações ainda podemos presenciar na arte de um Antônio Nóbrega. São obras de temática variada, algumas com temas sentimentais, outras com temas religiosos, históricos ou evocativos, e cada uma de inspiração soberba.

A quarta categoria é a de obras de caráter técnico/didático, estudos de concerto, ora intricados e extenuantes, ora poéticos e evocativos, um misto de exercício e peça característica. Uma de suas especialidades era o efeito do trêmulo. Ele deixou várias obras nesse estilo de extrema dificuldade técnica. A majestosa Un Sueño En La Floresta, quem sabe a mais difícil e complexa peça para trêmulo já concebida para o violão. O sabor acentuadamente romântico e a melodia em crescendo mascaram a exigência de uma técnica formidável de execução, com extensas aberturas de mão esquerda, longas frases musicais, movimentos intrincados e independentes, cadência virtuose e mesmo um dó alto que pede um vigésimo traste, que o violão clássico, de dezenove não possui. Acontece que nesse período Agustín Barrios residia em São Paulo e tendo uma ligação com Romeo Di-Giorgio, fabricante e luthier de violões, construiu um violão especial para Barrios com vinte trastes podendo assim chegar ao dó alto para execução dessa fantástica peça. Un Sueño En La Floresta eleva a técnica do trêmulo a um nível imbatível até os dias de hoje, mesmo as obras de Francisco Tarrega para trêmulo que são de imensa dificuldade, são extremamente inferiores a técnica de trêmulo empregada por Barrios. A música Un Sueño En La Floresta foi composta em 1918/1917 e foi gravada em 1929 pelo próprio autor Agustín Barrios. Existe uma Majestosa gravação dessa obra feita pela violonista grega Antigoni Goni do ano de 1999.

Energia e eloqüência, temperados com um sentimento puro e idealista, realmente uma interpretação vinda do fundo do coração. Embora muitas vezes as gravações demonstrem uma expressão descontrolada e excessivamente açucarada para ouvidos modernos, só podemos admirar a extraordinária imaginação de seu fraseado. Apesar da imagem de saltimbanco que temos de Barrios, ele também sabia ser artista sério. Foi o primeiro violonista da história a tocar uma Suíte para alaúde de Bach completa e, no final da carreira, incorporou obras de Turina, Albéniz e Granados a seu repertório. Mas os arranjos de clássicos de bolso e de temas populares foram a segredo de seu sucesso.

O famoso minueto de Beethoven, por exemplo, é tocado com uma languidez totalmente apropriada e um especial cuidado nas terminações de frase que praticamente não se escuta em interpretações modernas.

Barrios não fez escola. Segovia certamente aprendeu algo ao encontrar-se com Barrios, mas cuidadosamente evitou falar do colega e rival, ativamente impediu sua carreira na Europa e dizia que Barrios era "um compositor fraco" pois na verdade tinha medo de que Barrios chegasse ao continente Europeu, isso pois Barrios não era somente um interprete como Segovia, mas também era o maior compositor da época. Sua música nunca deixou de ser tocada na América Latina. Na Europa e EUA, entretanto, Barrios era somente um nome obscuro para especialistas, até que o violonista australiano John Williams gravou, em 1978, um LP totalmente dedicado a Barrios, um estrondoso sucesso. O mundo do Violão parou nesse dia pois fora descoberto o Bach, Mozart, Beethoven ou Paganini do Violão. Seu nome: " - AGUSTÍN BARRIOS MANGORÉ "

A partir daí, sua importância como o elo perdido do violão romântico foi reavaliada e sua música começou a ser publicada, uma tarefa difícil, pois o estilo de vida de Barrios fez com que tivesse várias cópias de suas obras, com textos incongruentes, distribuídas a amigos e escritas em mesas de bar, muitas delas só existem em gravação, outras têm de ser buscadas em coleções particulares. Nosso conhecimento sobre Barrios está somente começando.

Musicalmente Agustin Barrios é um grande improvisador, testemunhos dizem-nos que improvisava de maneira espontânea até em concertos. Compôs cerca de 300 peças, das quais infelizmente uma parte se perdeu. Barrios deu concertos desde 1906 até à sua morte.

Nos anos 1934-1936 veio à Europa, tocando na Bélgica, Alemanha, Espanha e Inglaterra. Barrios foi o primeiro guitarrista a gravar discos comerciais de 78 rotações. Muitas das suas obras sobreviveram graças ao disco. Morreu em 7 de Agosto de 1944, em El Salvador.

Podemos datar algumas das suas obras como: Un Sueño En La Floresta (1918), Romanza En Imitación Al Violoncello (1919), Mazurca Apassionata (1919), La Catedral (1921), Preludio en Sol (1921), Valsas Op. 8 (1923), Danza Paraguaya (1924), Choro da Saudade (1929), Julia Florida (1938), Una Limosna por el Amor de Dios (1944).

VIVE O MESTRE " AGUSTÍN BARRIOS " PARA SEMPRE.

Daniel Mesquita.